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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

AS CIDADES E OS MORTOS

Durante as minhas viagens, jamais avançara até Adelma.Embarquei ao cair da noite.No cais, o marinheiro que pegou a corda no ar e amarro-a à abita parecia-se com um dos meus soldados, que já morrera. Era hora da venda de peixes no atacado. Um velho colocava uma cesta de ouriços numa carreta: pensei reconhecê-lo; quando me voltei, ele desapareceu num beco, mas me lembrei que ele se parecia com um pescador que, velho já na época que eu era criança , não podia mais pertencer ao mundo dos vivos. Fiquei pertubado com a visão de um doente febril encolhido no chão com um cobertor sobre a cabeça: poucos dias antes de morrer, meu pai tinha os olhos amarelados e a barba hirsuta exatamente iguais aos dele. Desviei o olhar; não ousava fitar o rosto de mais ninguém.
Pensei: se Adelma é uma cidade que vejo o mundo dos sonhos, onde não há nada além de mortos, sinto medo do sonho. Se Adelma é uma cidade real, habitada por vivos , se eu continuar a fita-los as semelhanças se dissolverão e eles parecerão estranhos portadores de angustia.Seja num caso seja num outro melhor não insistir em olha-los.
Continua...


Trecho de :"As Cidades Invisiveis" de Italo Calvino

2 comentários:

Que bom que deixou a sua opinião, volte depois que te respondo aqui mesmo. Beijão