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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

AS CIDADES E OS MORTOS (CONTINUAÇÃO)


Uma quitandeira pesava uma couve na balança e colocava-a dentro de uma cesta presa por um barbante que uma garota abaixava de um balcão. A garota era igual a uma da minha cidade que enlouquecera de amor e se suicidara.A quintandeira ergueu o rosto: era minha avó.
Pensei: "Chega um momento na vida em que, entre todas as pessooas que conhecemos, os mortos são mais numerosos que os vivos. E a mente se recusa a aceitar outras fisionomias, outras expressões em todas faces novas que encontra, imprime os velhos desenhos, para cada uma descobre a máscara que melhor se adapta.
Os descarregadores subiam as escadas em fila, curvos sob os barris e os garrafões revestidos de vime; os rostos estavam escondidos debaixo de capuzes de pano."Agora tiram os capuzes e eu os reconheço", pensava com impaciência e medo. Mas não despregava os olhos deles; por menos que eu voltasse a olhar para multidão que lotava aquelas vielas, via-me assediado por rostos imprevistos, vindos de longe, que me fixavam como se quisessem ser reconhecidos, como se quisessem me reconhecer, como se houvessem me reconhecido.Pode ser que eu também lhe recordasse alguém morto. Acabara de chegar a Adelma e já era um deles, passara para o lado deles, confuso naquele vacilar de olhos, rugas, de tregeitos.
Pensei:"Talvez Adelma seja a cidade a que se chega morrendo e na qual cada um reencontra as pessoas que conheceu. É sinal de que eu também estou morto".Também pensei:" É sinal de que o além não é feliz".

Trecho do livro Cidades invisivéis. Italo Calvino

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Um comentário:

Que bom que deixou a sua opinião, volte depois que te respondo aqui mesmo. Beijão