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segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Escolas ou Prisões?

Essas são as minhas primeiras impressões como professora de escola pública em relação a estrutura física, feita há dois anos. Prefiro não revelar o nome da escola,é igual a muitas outras...
...O primeiro choque ao entrar foi um retorno a minha infância traduzido em cores, sensações e medo. A escola que fora construída no final da ditadura militar conservava todos os detalhes da época de sua construção, fielmente, com seus tijolos aparentes, paredes pintadas de rosa (não sei explicar, mas muitas escolas construídas em Salvador nesta época tinham sempre algumas paredes rosa), e suas grades que estão por toda parte.
O espaço físico da escola é enorme, porém o espaço construído é pequeno para quantidade de alunos e professores. E fiquei na dúvida se era uma escola ou uma prisão. Pois a idéia que vem a cabeça todas as vezes que conheço uma nova escola publica principalmente, mas não excluo as particulares, que às vezes são tão ou mais gradeadas.
A nossa realidade de segurança nos prende em grades em nossas casas, nas instituições, nos obrigam a obedecer e seguir as regras de estar cercados e já nos acostumamos. Tudo isso me leva a refletir sobre as coincidências que existem entre as prisões, os reformatórios, as escolas e as fábricas. O pior é que não vejo o interesse de mudança, pelo contrário a cada dia as escolas se parecem mais e mais com prisões. Fomos depois de uma breve acolhida do Diretor em sua sala, passamos então a sala de professores para aguardar o momento da aula. Achei tão pequena a sala dos professores, fiquei pouco a vontade no ambiente, me sentia incomodada de estar ali, como se invadindo um espaço que não era meu, e ao mesmo, tempo muito exposta pela proximidade dos outros professores que ainda não conhecia e que eu não tinha a certeza se teriam ou não consciência da importância que as aulas de teatro poderiam ter, assim como qualquer outro conhecimento.
Outro fato que constatei foi o acesso à escola, aos pavimentos, as salas serem por escada não existindo nenhuma rampa, em tempos de inclusão nas escolas vejo como um exemplo de uma triste realidade, a escola está totalmente despreparada para receber estes alunos e alunas especiais, se no espaço físico não existem simples rampas imagine toda a dificuldade enfrentada por estes alunos. Como entrar na sala? Sendo carregado?E a principal pergunta é: as escolas querem estes alunos? Talvez seja uma hipocrisia querer incluir se não existe nenhuma preparação para recebê-los, o que pode acontecer é uma desistência total desses alunos desacreditando que isso seja possível. Não estou afirmando que não deva existir a inclusão, ela deve existir sim, contudo tem que haver uma reformulação do ensino como ele é hoje e dos espaços físicos, não podemos ignorar que estes alunos precisam e devem ter uma atenção especial sim.Foi instituída que a inclusão deve acontecer, contudo seria necessária uma verdadeira revolução estrutural para receber estes alunos, não a simples construção de rampas providenciadas em algumas escolas, as deficiências físicas tem diferentes necessidades , mas mesmo preparadas as salas estão super lotadas e a depender da dificuldade deste aluno ou aluna que demanda uma atenção maior atenção, como o professor sobrecarregado fará isso? Se o que vemos é que na realidade as escolas estão precárias para receber qualquer aluno. Realmente medidas urgentes precisam ser tomadas, e os professores estão preparados? Com certeza não.
Finalmente chegou o momento da aula e quando entrei na sala os alunos estavam nos esperando e quando anunciamos que éramos os professores de teatro trataram de sentar comportadamente nas suas cadeira e nos olharam com olhos curiosos e examinadores com uma postura bem artificial. Digo artificial porque estavam como que padronizados em uma postura de esperar visitas, não eram naturais, parecia uma atitude ensaiada. Apresentamos-nos e propomos logo uma quebra no cotidiano deles: pedimos que colocassem as cadeiras encostadas nas paredes em volta da sala, e que se levantassem e formassem um circulo com as mão dadas.
O problema já começou aí, a minha noção de início de aula, que eu e meu colega Cláudio tínhamos planejado com o círculo, a valorização de todos na mesma condição e todos se vendo, caiu por terra, porque na sala não cabia uma roda tão grande com trinta e três alunos. E tivemos que optar por uma forma que só queríamos usar depois da terceira aula que seria a divisão da turma entre os que realizavam e os que observavam.
Todos os alunos participaram em uma grande algazarra, e pareciam se divertir mais observando do que fazendo, mesmo tendo alunos que não quiseram fazer o papel de observadores. Na verdade as aulas nunca obtinham os resultados que eu imaginava, mas em diferentes níveis os alunos realmente estavam envolvidos.
Terminando a primeira aula em que tinha sido baseada em muito movimento e sons, nos demos conta que não poderíamos fazer a nossa avaliação coletiva do jeito que queríamos e estávamos acostumados, “o circulo”, de novo não aconteceu e tivemos a certeza de algo mais grave: não tínhamos chão para trabalhar, parece engraçado, mas um círculo de alunos sentados no chão e dando suas opiniões e expondo seus questionamentos é de grande importância para um professor de teatro, ou posso dizer melhor, é de grande importância para mim como professora, pois a maneira como espaço é gerido tem efeitos cognitivos e emocionais nos alunos. O circulo facilita também a coesão da turma, melhorando a distribuição de atenção.
O espaço escolar é imposto em todos os sentidos aos alunos, onde há uma hierarquia a qual eles devem obedecer e são vigiados o tempo todo sendo deles exigido um comportamento “normal” e obediente para ser considerado um bom aluno. As salas de aula estão superlotadas por alunos da qual se espera a imobilidade. Eles comportam-se como que esperando uma punição e daí quando pensam que estão sendo observados simulam esta imobilidade que parece ser o mais desejado pela maioria das instituições de ensino.
Segundo Henri Wallon:
“(...) a motricidade tem um caráter pedagógico tanto pela qualidade do gesto quanto pela maneira com que ele é representado. A escola ao insistir em manter o aluno imobilizado acaba por limitar o fluir de fatores necessários e importantes para o desenvolvimento completo da pessoa”.
E nos vimos em um grande dilema, as atividades não poderiam conter exercícios, trabalhos, relaxamentos no chão, pois este tinha uma sujeira que parecia ter sido depositada ali há muito tempo. Nós não poderíamos expor as crianças aquela sujeira, seria um capricho inútil insistir e até uma grande falta de respeito, assim pensamos e decidimos adaptar todas as atividades de forma que elas não acontecessem no chão.
Considero isso já uma grande perda, pois o fato de uma aula ser dada em que existem momentos que professor e alunos têm o campo de visão na mesma altura, no qual eles podem ver o seu espaço de estudo de outros ângulos e níveis trazem novas possibilidades.
Uma outra coisa que me chocou foi o fato de todas as salas terem grades nas portas. Questionei-me eram alunos ou prisioneiros?Se for um resquício do tempo da ditadura na qual a escola fora construída, porque até hoje elas não foram retiradas? Os alunos comportavam-se quase que pedindo para serem trancados, como explicar isso? Talvez da mesma forma que eles agiam com a presença de alguns funcionários ou professores, que é muito comum em todas as escolas, basta à presença e eles mudam o comportamento têm medo até de expor uma opinião.
As grades estão lá para reforçar esse poder ou seria o desespero de ter, de conter pessoas embrutecidas pelo meio em que vivem e que não estão acostumadas nem preparadas para lidar com a liberdade, com idéias, e por isso estas são tolhidas e contidas de todas as formas possíveis, ou existe o medo de que eles possam vir a exercer este direito?
Segundo Focault:
“(...) a disciplina é interiorizada: Esta é exercida fundamentalmente por três meios globais absolutos: o medo, o julgamento e a destruição”.
Isso explica o fato que ocorreu durante uma aula na qual utilizando um prato e uvas durante uma improvisação eles partiram para cima das uvas com violência quebrando o prato. Ficaram então perplexos com a atitude minha e de Cláudio que agimos de forma tranqüila e nos questionaram porque não brigamos com eles, nem os castigamos.
A criatividade é rebelde sim e como lidar com o fato de que durante uma aula em que os meninos estavam em um caos. Mas um caos criativo; Em que idéias estavam sendo postas em práticas quando energicamente foram chamados atenção por uma funcionária que surgiu de repente, uma censora e receberam a ordem de ficar sentados e calados? Seria isso um reforço ao panoptismo tão presente e disseminado hoje em nossa sociedade?
Segundo Michel Foucault:
“Panoptismo implica o observador estar de corpo presente, em tempo presente em tempo real a observar”.
Um outro problema é o fato das salas serem extremamente abafadas sem ventilação o que torna qualquer atividade que exija movimento um verdadeiro sofrimento, as crianças suavam muito e sentiam às vezes até dificuldade de respirar, isto sem falar na iluminação que é artificial e precária, com certeza aquela iluminação não é suficiente e pode inclusive criar problemas visuais, desconforto. O que não é prejudicial só na aula de teatro.
Um outro ponto é o barulho, os sons de fora, de outras salas, dos corredores invadiam a nossa aula com violência, da mesma forma em que a nossa também deveria estar incomodando as outras turmas. Aula de teatro realmente contém momentos de silêncio, mas na maioria das vezes a criatividade faz barulho e me pergunto como ter uma aula de teatro na qual ao lado o professor estará fazendo cálculos matemáticos ou lendo um texto com os alunos e o professor de teatro ensaiando um coro com os seus alunos? Logo este professor será chamado atenção, aula de teatro nem sempre é silenciosa e isso não quer dizer que não está funcionando, pelo contrário, mas como resolver o problema?
Sei que as escolas têm inúmeros problemas com relação às verbas insuficientes e que quando elas são enviadas são destinadas para reposição de estragos feitos na maioria das vezes pelos próprios alunos, contudo é muito justo que as escolas sejam pensadas com espaços extremamente necessários que são as bibliotecas e salas destinadas ao ensino da arte, o desenvolvimento cognitivo do ser precisa ser levado a sério.
È necessário um espaço para aula de teatro sim, pois como é desconfortável e inadequada uma aula de artes plásticas em uma sala que não tem pelo menos mesas e uma pia para lavar as mãos, dar aulas de teatro com uma sala totalmente entulhada de cadeiras, escura, sem ventilação e com um chão frio e imundo é uma violência aos alunos.
Pensamos em algum momento durante o inicio do processo usar outros espaços da escola, tinha um salão no refeitório, mas era um lugar de passagem e como os alunos são muito dispersos, ficava muito difícil, pois a todo momento alguém passaria e iria interferir na aula de uma maneira que não seria muito positiva, até porque os alunos tinham tido poucas aulas de teatro e ainda não estavam sensibilizados com a aula o suficiente para que interferências externas não os influenciassem, para isso eu precisaria de um pouco mais de tempo.
Outros espaços externos tinham o inconveniente de não ter piso, era chão de terra, descobertos e como a época que foram dadas às aulas sempre chovia, tinha o inconveniente de ter lama o que tornava o espaço inviável.
A sexta e última aula para mim foi uma maravilhosa alegria, resolvemos passar um filme para eles na sala de vídeo, para nossa surpresa era equipada e tinha um piso limpo, se tratava de uma sala que seria inaugurada por nós. Estava limpa com paredes pintadas e continha equipamentos novos. Nossa decepção foi como não sabíamos ligar o aparelho, pedimos ajuda a funcionários da escola que tentaram nos ajudar, mas em vão, pois sabiam do instrumento tanto quanto nós. Com a ajuda de um colega de estágio conseguimos ligar o aparelho a tempo para a aula e eu fui buscar os alunos na sala.
Percebi que ao entrar na sala eles tinham uma outra atitude, estavam mais sérios, compenetrados, respeitando o momento e eu sentia neles um misto de orgulho e respeito pelo espaço, como se sentissem mais valorizados.Foram convidados a sentar no chão e isso aconteceu sem nenhum protesto, quando começou o filme eles assistiram com bastante atenção.
Com exceção de um grupo de adolescentes compostos por três meninas e um menino que nos deu muito trabalho durante o processo, todos estavam em um estado diferente do que o que eu sempre observava.
Os adolescentes citados não aceitavam a diferença de idade da turma que era bem mais nova que eles, uma diferença de até quatro anos, e talvez por isso não participassem das atividades e até atrapalhavam os que participavam, era uma forma de chamar atenção e neste dia não foi diferente, porém os outros estavam tão compenetrados que tudo correu bem e até mesmo este grupo mudou um pouco o comportamento.
Logo depois do filme conseguimos fazer a tão sonhada roda e eles pela primeira vez se colocaram, deram as suas opiniões, realmente escutaram-se.
Será que tudo isso aconteceu por estarem os alunos em um ambiente mais humanizado? Limpo, organizado e bonito? Segundo Henry Wallon:
“(...) as condições ambientais provocam alterações qualitativas no seu comportamento em geral”. “A pessoa tem que ser considerada como um todo. Afetividade, emoções, movimentos e espaço físico se encontram num mesmo plano: humanizar a inteligência.”
Mas do que nunca as escolas precisam ser humanizadas, reformadas ou construídas pensadas em todas as possibilidades de conhecimentos que podem ser desenvolvidos neste ambiente que pode e deve ser acolhedor e abandonar os resquícios rançosos de outros tempos em que à escola era mais um ambiente de punição do que de aprendizagem, e dentro dessa reforma que precisa ser não somente físico, mas também no pensamento, precisa ser pensado e realizado um espaço também para arte. Onde as aulas possam vir acontecer com a sua devida e necessária importância.

Bibliografia:
Morin,Edgar.A Cabeça Bem Feita: Repensar e reforma,reformar o pensamento;tradução Eloá Jacobina – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000
Sites:
http://.centrorefeducacional.com.br/wallon.htm
http://novaescola.abril.com.br/index.htm?ed/160_mar03/html/pensadores
http://www.edu.fc.ul.pt/docentes/opobo
http://novaescola.abril.com.br/index.htm?ed/160_mar03/html/pensadores
http://www.edu.fc.ul.pt/docentes/oposo http://.centrorefeducacional.com.br/wallon.htm

Um comentário:

  1. Gê, estou te esperando, beijos.

    Fantasma: una pregunta que no quier respuestas, sino resoluciones ya, besos.

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Que bom que deixou a sua opinião, volte depois que te respondo aqui mesmo. Beijão