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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

BASTIDORES DE UMA ATRIZ

Hoje me deu vontade de falar um pouco dos bastidores de uma peça teatral, pela minha visão e sensações, quero descrever o resultado de um processo longo que resulta nessa ponta de iceberg. Pois para uma peça ser encenada existe todo um tempo de preparação, pesquisas, treinos, ensaios e produção (arte de tirar leite de pedra). O teatro é a arte da coletividade ao mesmo tempo que é um encontro do ator com seu próprio eu, onde ele antes de tudo está se espondo e ao mesmo tempo se anulando. Então começo...
A encenação começa às 20:oo mas todos chegam às 15:00. Coloco os elementos de cena, vou verificar os figurinos se estão prontos enquanto converso amenidades, enquanto faço isso, já estou me desligando de minhas coisas, preocupações.
Quando o clima está leve é melhor ainda, ajuda no processo, o diretor observa e corrige algumas cenas e depois disso procuro um lugar no palco, deito fecho meus olhos e respiro devagar, sentindo meu corpo em contato com o chão, sentindo o cheiro do palco. Vou acalmando, adaptando-me, procurando estar pronta para o trabalho, alongo meu corpo, aqueço e depois todos fazemos a "Dança dos Ventos"(http://www.ocoteatro.com.br/).
Logo em seguida vem a maquiagem.Gosto de me maquiar rápido, vestir o figurino, que é como se fosse a pele do personagem, gosto de estar pronta logo para ter tempo de revisar tudo quantas vezes puder, parece uma paranóia mas me sinto mais segura assim.
Uns quinze minutos antes de começar cantamos todas as musicas, respiro fundo.Todos a postos começa o espetáculo, um frio, um calor, um coração batendo apertado e descompassadamente. No meio de tudo não pode ter engasgos, cansaço, tropeços, mas as vezes eles acontecem e tem que ser disfarçados ou aproveitados dependendo da situação. Entro e saio de cena na primeira parte dançando, cantando, falando, sinto o nó na garganta que por vezes quase me sufoca e tenho que vencer, o corpo luta para se superar.
Saio de cena, troco de roupa, bebo agua, pego elementos, troco de lugar e isso tudo lutando para não perder a energia, pois quando isso acontece compromete o ritmo do trabalho. Tento, busco ser verdadeira não sei se já consigo. Stanislavski explicava que:"representar verdadeiramente significa estar certo, ser lógico, coerente, pensar, lutar, sentir e agir em uníssono com o papel". O suor escorre nos olhos e arde, não dá pra limpar, por causa da maquiagem,a cochia está escura,temos que aprender a trabalhar praticamente na escuridão, cheia de coisas que não podem quebrar, mas com algumas que podem me quebrar, a topada acontece e não posso chingar, no lugar disso agradeço por não ter feito barulho.
Acontece um entra e sai de cena em que tudo está calculado, foi ensaiado, nada pode fugir das partituras físicas e vocais.Tem um momento que demoro muito entre uma cena e outra e minha vida quer me invadir como um inseto que voa em meus ouvidos, espanto e percebo que uma vela se apaga, ou um colega precisa de ajuda o que me mantém presente.
Recolho tudo que não vai mais ser usado dos bastidores e entro para próxima cena, fico em uma posição incomoda, meus pés e minhas panturrilhas insistem em uma caimbra que me torce, mais tenho que continuar e canto, tem que cantar no momento exato e falo tem que falar o texto certo, com emoção e o corpo tem que estar vivo, presente fazendo o que foi exaustivamente ensaiado. Termina.Por fim vem os aplausos.
Bonito ver o público satisfeito, é para ele que trabalhamos.Eu me sinto muito bem quando em vez de aplausos existe um silêncio, um silêncio de cérebros que fervilham de ideias que foram sendo construídas ou destruídas durante o espetáculo. A plateia recebe a proposta de forma indefinível, por serem seres distintos, receberam a proposta de diferentes formas conforme a sua própria história.
Estou exausta, acho que o espetáculo não foi bem, para mim faltou ritmo, eu não estava bem e em meio a esses pensamentos vou guardando os elementos, tirando a maquiagem, apagando o resto da fantasia,algumas pessoas entram no camarim fazem elogios que no momento não faz muito efeito para mim pois estou pensando no momento que troquei uma palavra do texto ou atrasei alguns segundos para entrar, contudo sempre é bom saber que tem pessoas acompanhando o trabalho, a presença deles me faz feliz.
O diretor (pessoa que primeiro idealiza e busca tudo isso, dentro dessa organização) entra no camarim e sem estarmos esperando diz que a apresentação foi ótima e se ele fala é porque realmente achou e foi, isso para mim serve como um incentivo de tentar melhorar, dá ânimo, ele diz que no outro dia tem coisas a acertar, então termino de me arrumar e corro para pegar o último ónibus da noite, com um dedo ferido, muito cansada e pensando: é um verdadeiro sacerdócio, mas tem suas compensações, tanta emoção vivida e repetidas, sensações, oportunidades de se ter experiências diferentes do cotidiano, a busca pelo conhecimento de culturas e de si, dou um leve sorriso e lembro das palavras de Brecht:"O prazer é a mais nobre função da atividade teatral".
Em homenagem a Ocos e Tupãs, beijos no coração de todos.

Um comentário:

Que bom que deixou a sua opinião, volte depois que te respondo aqui mesmo. Beijão