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sexta-feira, 18 de março de 2011

ENTREVISTA COM O DIRETOR TEATRAL LUIS ALBERTO ALONSO, UM CRIADOR DE SONHOS

Foto: arquivo pessoal
No mês do teatro aqui no Dea e o Mundo uma entrevista com Luis Alberto Alonso, diretor do grupo Oco Teatro Laboratório.
Diplomado pela Escola Nacional de Arte (ENA) de Havana, Cuba. Integrou o Instituto Superior de Arte (ISA) de Havana durante três anos, formou parte da primeira companhia de arte de Teatro de Cuba "Teatro Buendia". Apresentou espetáculos como ator na Alemanha, Dinamarca, Itália, Grécia, Eslovênia, Polônia, Equador e Áustria.  Integra o grupo Internacional “Ponte dos Ventos”, sediado na Dinamarca, dirigido pela atriz fundadora do Odin Teatret, Iben Nagel Rasmussen.
Criador e Diretor do grupo Oco Teatro Laboratório, grupo ainda jovem no cenário baiano que vem se destacando, inclusive tendo um de seus espetáculos recebido duas indicações ao prêmio BRASKEM . Sendo também o criador e diretor do Festival Latino Americano de Teatro da Bahia. Recentemente o grupo concluiu o projeto O Caminho das Pedras ( oficina de teatro gratuitas no Município de Lauro de Freitas).Com a Revista Boca de Cena protinha pra ser lançada ainda na primeira quinzena de abril, ele nos revela um pouco da sua forma de pensar e viver o teatro. 



1)  O que motivou a seguir a carreira artística e de onde vem as suas inquietações?

Parece a velha história que todos fazemos da nossa vida, mas é certo, desde criança trabalhava em teatro com meus irmãos, fazendo imitação de um grupo espanhol que se chama Calatraba. Eles tinham um boneco hiper-realista que se movimentava por um sistema mecânico interno. Um maravilhoso dia o boneco quebra, eles jogam para um canto e olham para mim e falam: Olha! Aqui está o boneco! Então eu me converti em boneco. Eu fui um boneco, desde menino, já era um boneco e tinha que me movimentar como boneco, assim eles entravam comigo no palco nos braços e me sentavam nas pernas deles. Começava a tocar o duo Calatraba e tudo era uma grande diversão, mas muito sério, muito profissional, participávamos de festivais, encontros, trabalhávamos nos cabarés e ganhamos alguns prémios nacionais. Aí começou a minha paixão por aquele intercâmbio que era produzido entre a plateia e o palco. As pessoas me elogiavam e falavam que eu era um artista. Sei lá se era! Isso foi entrando na minha cabeça e de fato comecei a estudar teatro com 18 anos na Escola Nacional de Arte de Havana, Cuba. Depois fui para o Instituto Superior de Arte. Não parei até hoje e acho que não consigo parar. Abençoado boneco!
As minhas inquietações artísticas vêm do todo que vivo, de tudo aquilo que está entorno do meu viver e sentir como ser humano. Sou muito romântico, então a vida para mim tem que ter beleza, poesia. A minha inspiração é a beleza da vida, não gosto do scrach, do mau gosto no palco. Não tenho nada contra as peças de comedia mais popular, mas acho que nisso também tem que se investir em beleza. Daí, da beleza das coisas e dos sentimentos mais profundos do ser humano é que vem a minha inquietação. Ela está se voltando cada vez mais politica, pois a arte precisa dialogar mais com a sociedade.

2)      Sendo diretor do Grupo Oco Teatro Laboratório como se dá o processo criativo do grupo? Vocês partem de um texto ou de uma ideia geral?

Não existe grupo se todos seus integrantes não trabalham num sistema colaborativo, sobretudo num grupo de pesquisa como o nosso. Isso de grupo de criação coletiva foi uma denominação do século passado. Todo grupo de teatro deve ser um grupo de criação coletiva, claro. Grupo é aquele onde o diretor não chega com as coisas prontas e os atores se movimentam segundo os interesses do diretor, até porque no nosso processo de trabalho tento sempre que a maior parte do material que conformará o tecido do espetáculo saia dos próprios atores e suas vivências, do seu conhecimento e intelecto que deve ser cultivado diariamente com muito estudo, dedicação e seriedade.
Dizer que não partimos de um texto é negar o verdadeiro significado dessa palavra. No seu sentido lato texto é algo que informa, que disse, é tecido, é ideia, é uma costura de informações que pode vir de uma consecução de imagens. Agora, se você se  refere ao texto dramático, não. A gente não parte sempre do texto dramático. Muitas vezes é o último que aparece no nosso trabalho e inserido de forma a convergir com a partitura corporal previamente criada pelo ator.
Por outra parte, desde o ponto de vista dramatúrgico o texto é o último tecido que surge na criação, a combinação de todas as peças no palco, de todas as ações da montagem, sempre que sejamos capazes de entender ações como as relações entre atores, entre cada ator consigo mesmo, entre os atores e o texto dramático, o ator com a luz, o diálogo da luz com o cenário, o ator com os elementos, etc. Esse entendimento descobri com Eugénio Barba e a minha delicada percepção do palco.

3)    Você entende o teatro como um trabalho ritualistico?

Olha, no caso de grupo, o ato de se reunir dia após dia já é um ato ritual, já é uma visita diária ao nosso sagrado oficio. Talvez não seja necessário, nos tempos atuais, essa sacralização, já que o teatro se retroalimenta não só do convívio com o subjetivo ou os estudos isolados do ator, ele também se constrói das partes da vida cotidiana, do saber do dia a dia, do conhecimento tácito. Mas no geral o teatro tem esse valor, sim, esse fazer e desfazer no ritual, no sagrado.
Há outras discussões que eu entravo na atualidade com este significado. Separamos muito as manifestações artísticas quando na verdade elas não estão separadas. Eu não estou falando de interdisciplinaridade estou me referindo a zonas de convergência entre aquelas artes que foram separadas, acho eu, para seu estudo. Eu não consigo achar diferença entre teatro e dança e música, etc. Eu posso criar um concerto com meus atores e não necessariamente estar inserido dentro de formas pré-estabelecidas do que é música. Posso criar uma tela no palco. O que me diferencia nessas denominações? São os instrumentos que uso, mas um artista plástico não pode dizer que a foto de cartaz de Os Sonhos de Segismundo não é uma tela de alto valor  plástico e conceitual, assim como muitas outras imagens do espetáculo. No sagrado, no antigo ritual não havia diferença, nós colocamos nomes  nisso.
Os Sonhos de Segismundo

Foto: Hercilia Lustosa

4)      Existe algum grupo, ator ou atriz que você tenha como referência?

Estrangeiros ou nacionais? Rsrs!
Bom, a minha grande escola foi um importantíssimo grupo cubano de teatro, Teatro Buendia, de Cuba, meus passos me levaram a outro grupo que tem reformulado o teatro no mundo, o Odin Teatret, onde faço um trabalho anual com uma das suas atrizes fundadoras, através do grupo internacional Ponte dos Ventos. Admiro muito referências que não estão mais entre nós e que teve o prazer de poder ver pessoalmente e compartilhar, Kazuo Ohno, Pina Bausch. Sou delicado observador de Eugénio Barba. Na Bahia admiro muito o trabalho de Luiz Marfuz quando enveredado pela pesquisa e a procura de novas formas. E admiro todos aqueles que sejam capazes nesse mundo globalizado e rápido de tentar conformar um grupo teatral, um coletivo, o qual precisa de muita garra e desprendimento de energia, de pensar não somente em você como criador, mas também no outro como parceiro. Admiro diretores de oficio, não de cadeira: Vai você entender!

5)      Você se considera um encenador?

Sou um artista no seu amplo sentido da palavra. Dizer encenador hoje é pensar naquela pessoa que só faz sentar numa cadeira e dirigir. Boto a mão na massa, costuro figurino, faço parte de forma ativa na construção dos cenários, das partituras do ator, da iluminação, faço trilha sonora, escrevo textos. Acho que esse nome cabe a todos os que conformam um grupo, todos são encenadores, porque trabalham em conjunto para construir algo para o palco, algo que será encenado, apresentado.

6)       Você é o Diretor e criador do FIlTEBahia- Festival Latino Americano de Teatro da Bahia, na sua opinião qual a verdadeira importância dos festivais para a classe teatral e o publico?

A troca. Acho que esse é o verdadeiro sentido de um Festival. Trazer produções diferentes, de estilos diferentes ao que se faz na Bahia. Confrontar com uma outra forma de ver o universo teatral. Depois do Festival há grupos que estão realizando demonstrações de trabalho, isso é legal! E não quer dizer que eles talvez não tenham pensado antes, mas depois do Filte com a proposta das demonstrações de trabalho tem incentivado uma galera a dar seguimento a esta linha, isso é belo. Outros grupos baianos estão viajando porque o Filte abriu essas portas. Então, Festival só tem a ganhar no contexto teatral. Nos faz saber e sentir que o que fazemos não é o único que existe, que há outras formas de pensar o teatro.

7)      O que tem a dizer sobre as leis de incentivo na Bahia? Elas funcionam?

Na Bahia só temos a Lei do Faz Cultura, que funciona para aqueles que podem e conseguem captar recursos, a Demanda Espontânea do Fundo de Cultura, e os editais da Fundação Cultural do Estado da Bahia-FUNCEB. Isso de editais penso que é um paliativo, um band-aid numa ferida que deve ser provisória. Deve ser criada uma Lei de Incentivo ao Teatro, no nosso caso é necessário. Não conseguimos ter uma manutenção constante. É a história sem fim. O Mito de Sísifo. Depois que chega ao cume com a pedra vê ela cair e rodar e de novo tem que descer e empurrar ela novamente até chegar ao topo da montanha e assim sucessivamente, parece que o Mito é, como parábola discursiva, o nosso castigo por sermos artistas e desafiar aos deuses. Piada? Não, realidade total!.  Encontro todos os dias atores na rua, nos eventos, nas estreias e o primeiro que falam é: Quando vai dirigir algo para me convidar? Os atores estão precisando trabalhar, os diretores precisam de Leis mais consistentes que nos permitam dedicarmo-nos ao teatro sem grandes complicações. 80 % do meu dia e da minha vida eu dedico aos editais, às Leis de Incentivo. Isso é um crime com o universo do criador. Porque achar um produtor que se interesse pela criação de projetos sem saber se isso vai dar certo é muito difícil. Sou contra os editais se eles continuarem sendo a única via de manutenção dos grupos, além de que existem nomes do teatro que acho que não precisam ficar concorrendo em editais, a carreira artística deles está provada e isso merece um respeito.

8)      Como avalia a formação de público na Bahia?

Olha, eu não formei parte do processo histórico teatral que a Bahia tem vivenciado durante os últimos 50 anos, nem sou herdeiro desta tradição, então é muito difícil avaliar assim, mas o que eu tenho vivido durante estes 8 anos é uma grande instabilidade. Agora a coisa está melhor, mas o que é estar melhor? Dizer que ganhamos um edital e só receber um ou dois anos depois? A gente não se planifica? Eu não posso avaliar público se não consigo criar um sistema sólido de produção artística, se essa produção está constantemente atrelada ao ir e vir de políticos e interesses de poucos. O público gosta de teatro e quem nunca foi quando vá fica encantado, fica alucinado, porque a nossa arte tem esse poder.

9)      E quanto as escolas, acha que poderiam participar mais dessa formação? Como?

As escolas? Quais escolas? O ensino básico ou o ensino de artes. As escolas de arte já cumprem seu papel. As escolas de ensino fundamental se queixam constantemente dos problemas com a educação no país, como vamos a esperar que o teatro seja algo de valor para elas? Agora, uma vez a educação sendo estruturada de boa qualidade penso que teremos espaço para formar plateia desde bem cedo, desde pequenos. Criando vínculos entre educação e cultura. Há em Cuba uma experiência muito bacana que não sei se é mantida até hoje, as Casas de Cultura, elas trabalham em associação com as escolas. O aluno no turno que não tem aulas tem que escolher entre arte ou esporte. A parte de arte pertence às Casas de Cultura que tem instrutores e professores de todas as manifestações artísticas, é de uma riqueza inquestionável, porque esse ser humano está se formando como um ser social, íntegro, em sua totalidade.

10)    Que conselho  daria para quem quer seguir a carreira teatral?

Nunca perder os sonhos. Acreditar naquilo que impulsiona ele como criador e ter muita garra para seguir andando no caminho escolhido, este nosso caminho tão pedregoso mas fascinante. 

Para saber mais: Oco Teatro Laboratório 

Um comentário:

  1. Feliz dos que tem um bom e experiente ícono para se espelhar, parabéns pela matéria, é disso que a Bahia precisa de gente competente e dinâmica no âmbito artístico.
    Abraço

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