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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

RECORDAÇÕES DE CRIANÇA

HOJE REPUBLICO TRÊS CONTOS INSPIRADOS EM MINHA INFÂNCIA. ALGUNS ESTÃO NUMA LINHA MUITO PERIGOSA, MAS É A TRADUÇÃO DE MINHAS SENSAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES DA ÉPOCA EM QUE CADA SITUAÇÃO ACONTECEU. METAINFORMAÇÕES

SINAL

Ela sempre estava lá. Não importava o dia, a hora, estava porque apesar de tudo achava mais tranquilo aquele lugar que tinha tanto movimento. Ele passava por ali, passava sempre com revistas ou um livro aberto em frente aos olhos tristes e curiosos. Um dia por um momento ele escolheu passar olhando o mundo. Ela estava no alto da torre de meninos que se equilibravam em uma pirâmide humana de molecotes sem dono, que faziam acrobacias em troca de qualquer coisa na sinaleira.
Por um momento mágico os olhos se encontraram, ela do alto da sua torre com seus cabelos emaranhados ao vento, ele do seu carro branco reluzente. Não sabiam explicar mas uma mágica aconteceu. Corações bateram forte e olhos curiosos buscavam o máximo de informações possíveis em trinta segundos. Ela quase errou o número, recebeu um beliscão na canela e pulou no asfalto quente do meio dia se recompondo. Ele se voltou para olhar mais um pouco, o carro se foi, tinha que ir para casa almoçar e depois aula de inglês e natação. Ela ficou no chão.
Por todo resto do dia e começo da noite se lembraram daqueles trinta segundos e ficaram a imaginar se haveria uma outra vez.
No outro dia tudo estava acontecendo como sempre, só que tão lento... A aula não passava, o sinal parecia ficar fechado uma eternidade...Chegou o meio dia,o sinal fechou e dessa vez ela prestou mais atenção no carro branco que dentro tinha um menino de olhos tristes emoldurados por cabelos negros. Eles se olharam, se perguntaram quantos mundos existem dentro desse mesmo mundo, ela teve vontade de parar o número acrobático que fazia, sabendo que iria receber uns cascudos dos colegas por atrapalhar o biscate, ele teve vontade de pedir para o motorista parar o carro, mas sabia que ele diria que não podia, ali era perigoso.Sorrisos foram trocados.
Os trinta segundos de acrobacias e olhares se repetiam, sorrisos trocados as vezes eram acrescidos de tchauzinhos furtivos e um dia ela arriscou e soltou até um beijinho. Eles queriam se falar, saber de que gostavam de brincar, ela queria saber que gosto teria sorvete de pistache ou Maklanchefeliz, se ele tia avó, como era escola e se na casa dele tinha piscina. Ele queria saber como ela conseguia se equilibrar daquele jeito, se tinha dez anos como ele, porque ela não estava na escola e como os olhos dela poderiam ser tão vivos.
Assim seguiu durante muitos meses:Trinta segundos no meio dia, ela trabalhando pra comprar comida, ou melhor cola que enganava a fome por mais tempo e ele voltando da escola construindo sua futura vida bem sucedida e cheia de responsabilidades. Um dia não se viram mais.Ele mudou de cidade nas férias, ela não acostumou a não ver ele na sinaleira, cheirou um pouco a mais de cola do que estava acostumada, para passar a fome e a saudade dos olhos tristes, dormiu e não acordou mais.


CRIANÇAS , FLORES E MORTE
Os tempos de inocência não são os mesmos para todos, alguns chegam a nunca conhecer esses tempos e vai agregando como pode, a sua realidade, uma leveza necessária em tudo, para sobreviver.Quando criança morava em um bairro violento, era comum a morte, de todos os tipos. Minha casa ficava no caminho do cemitério, pobre quando morria naquela época (não sei agora) ia embora em cortejo longo, carregado por amigos, se não tinha muitos amigos a tarefa ficava penosa porque os poucos que estavam presentes levariam a carga sem revezar.E isso tudo passava pela porta da minha casa.
Tínhamos um ritual,eu e meus amigos: Colocar os dedos cruzados nas costas.Acreditávamos que quem não fizesse isso a mãe morria, quem inventou? Quando cheguei já encontrei essa mandiga de menino.

Mas a criançada (bicho estranho criança) não perdia era enterro de anjinho, Aqueles que nem nasciam ou se nasciam nem tinham tempo de respirar da vida. Isso não era por maldade, era para ter a honra de carregar o caixãozinho branco, a coisinha balançando de um lado pra o outro dentro e no final receber um docinho de agradecimento.As vezes tinha até discussão.Jardim de mãe nenhuma tinha sossego, arrancávamos tudo que era vegetal pra levar na mão porque tinha que ter flor e valia de tudo, hibisco, mal-me-quer, maria-sem-vergonha, croto.
Um dia morreu o anjinho de uma vizinha e eu iria acompanhar o enterro até o fim da minha rua, arranquei algumas rosas de minha mãe ( estava cheia de orgulho, porque minhas amigas estavam levando hibisco, que tinha em todo canto) e fui seguindo a multidão. Minha amiga falou pra adiantar e quando cheguei perto do caixão me chamaram pra carregar. O coração bateu forte, segurei na alça e senti uma coisinha saculejando de um lado para o outro, porque a nossa solenidade não mudava o andar espevitado de crianças. Voltei pra casa pensando... Porque existiam histórias tão curtas...
 Uma amiguinha minha a Neguinha (parecia uma índia) era o cão em forma de criança, sabia sempre de tudo, primeiro que todo mundo, sempre vinha com a novidade: Morreu não sei quem, em tal lugar vamos lá ver?


Eu nessa época estava em crise de criança me perguntando e descobrindo que existia um fim, cheia de perguntas sem respostas e com uma curiosidade imensa sobre a morte. Escondida de minha mãe íamos a casa do suposto defunto ou defunta e levantávamos o lençol para ver, eu ficava petrificada olhando aquela coisa que  parecia oca, parecia nada, em cima das mesas pobres, as vezes ainda na rua, no chão com velas.
Parei no dia que levei o maior susto da minha vida. Acordei com Neguinha me gritando do portão, foi logo me dizendo: O vizinho morreu vamos lá ver. O vizinho era um menino de onze anos que toda vida tinha sido doentinho, cabeça enorme, cadeira de roda e eu não me lembro a razão, nunca tinha falado com ele. Fomos na casinha pobre, o corpo esticado na cama, coberto com lençol alvo, velas ao lado. Levamos as flores de praxe, condolências a mãe( que transparecia um rosto bem aliviado) e fomos ao quarto minúsculo, só cabia a cama. Olhamos uma pra outra como que para tomar coragem e Neguinha puxou o lençol.O defunto que tinha acabado de partir e ainda não estava enrijecido, no nosso ato de levantar o pano, fez com que o rosto flácido todo se mexesse, olhos abriram e a boca se escancarou em um sorriso assustador, saímos correndo a chorar e acho que nunca mais fizemos isso. Mesmo morando anos depois com o quintal para um cemitério. 
Fiquei por muito tempo pensando, pensando: Porque alguns já nascem sofrendo... Porque existem histórias tão curtas... Nunca encontrei respostas.Ninguém encontrará.

 Imagem: Mark Ryden
QUANDO AS LAGARTAS VIRAM BORBOLETAS

Ela tinha doze aninhos, um corpinho delicioso de ninfeta, seios despontando pro mundo e um calor entre as pernas que vivia contraindo, na tentativa de alivio e que só fazia uma humidade insistente surgir e obrigá-la a trocar suas calcinhas várias vezes ao dia.
À noite quando ia dormir suas mãos descobriam o corpo que arrepiava a cada toque, lhe causando sensações novas, descobria o prazer, o gozo que abafava no travesseiro. Sonhava muito com garotos, que não lhe davam a mínima. Velhos safados que se ainda estão vivos deveriam estar presos, lhe diziam gracejos.
Vivia a correr com os meninos, que pelo seu comportamento amolecado passava despercebida a vontade louca que ela tinha de dar uns amassos pelos cantos. Naquele tempo ainda havia muitas brincadeiras na rua e ela curiosamente não era muito dada a vaidades como as meninas da sua idade. Contraditoriamente ao fogo que consumia o corpo em transformação, ainda brincava e muito.
Suas colegas não tinham os mesmos encantos que ela, mas eram delicadas, frágeis. Ela não entendia o porquê dos garotos se interessarem tanto por essas meninas, já que com ela brincavam as mesmas brincadeiras e conversavam as mesmas coisas, mas eles preferiram sempre garotas assim, cheias de frescuras. De vez em quando tinha alguém que escapava um segredo: ”Fiz ousadia com Fulano”, ou “Eu vi Beltrano e Ciclana pagando ABC”. O que aumentava a sua curiosidade e vontade.
Espelhos e seus próprios braços eram alvos de constantes, beijos, lambidas, pois queria estar pronta quando chegasse o grande dia, não queria passar pelo vexame de descobrirem que ela não sabia beijar.
Uma bela tarde, se arrumou muito, conseguiu ficar mais linda, cheia de perfume, pintou até as unhas. Os amigos olharam diferente, caçoaram e estranhamente ela não quis brincar de pique, sugeriu esconde-esconde, estava cheia de segundas intenções: Beijar  o menino mais bonito da turma.

Na hora de esconder deu um jeito de ficar com ele, se esconderam detrás do muro de uma casa vazia, ela ofegante se chegou e olhou no fundo dos olhos dele. O menino a empurrou e gritou: Qual é? Beijar você?Você é brother! Saiu correndo gritando dois altos e ela correndo chorando direto para seu espelho e seu travesseiro.


3 comentários:

  1. Tua infância parece ser mesmo inspiradora... Bjos

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  2. Gosto da sinceridade com que escreve!Sua verdade é deliciosa de se ler!
    Espero que tenha uma semana maravilhosa querida!
    Abração!

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  3. Sim Reiffer, tive direito a tudo e participei de todos rituais que a vida nos concede.
    Anderson nos meus textos pode haver alguns erros mas nunca faltará sinceridade, pode contar.
    Bjs

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