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quinta-feira, 4 de março de 2010

Mad About The Boy

Este conto em primeira pessoa foi escrito e cedido por Toninho Moura do blog Dicas Sobre Nada e lá o grande barato é contar história. Aqui até onde se chega por amor...Nas palavras dele:

"Uma tia já falecida da minha mulher dizia que, por trás de um grande homem, há, necessariamente, uma grande mulher.
Esta é a idéia da história.
Acho que uma grande qualidade feminina é a dedicação ao homem (ou a mulher) que ama. Dedicação
que pode chegar a extremos, como contei.
E escrever do ponto de vista da mulher, com todos os riscos que isso apresenta, é uma
forma de homenagem."


Esta é a última carta que escrevo, amor.

Perdoe-me por ser direta, mas não seria justa se deixasse para escrever isso no último parágrafo.

Sinto-me aliviada assim.

O papel parecerá molhado e algumas palavras estarão borradas; perdoe-me por isso também. Não consigo deter as lágrimas e elas caem agora e cairão por toda a carta. Acho que meu choro sabe que não chorará de novo, e quer chorar tudo de uma vez.

Talvez a gente não saiba que as lágrimas caem no papel para fertilizar as letras, para que elas brotem e cresçam alimentando-se daquilo que carregamos no peito, e se enrosquem umas nas outras formando as palavras que dão sentido para todas as coisas.

Sempre fui melancólica, você sabe. Lembra que nas noites frias eu acendia todas as velas do jardim de inverno? Velas de várias cores e formas, espalhadas por sobre todas as coisas e penduradas em um monte de lugares. Com todas as pequenas chamas acesas, quase sempre cansada, me esparramava naquela poltrona gostosa que fora do meu avô. Passava horas ali, bebendo vinho, fumando, e ouvindo as cantoras de jazz na vitrola cantando seus prazeres e seus lamentos. Cantava com elas, preocupada em acompanhar o andamento e não perder a entonação. Imaginava que meus últimos momentos seriam como aqueles: comigo sozinha, em companhia daquelas mulheres e suas canções.

Hoje sei que aquelas músicas fiavam o fio condutor do meu destino, com o qual se teceu a minha vida.

Era Ella Fitzgerald que cantava no dia em que eles chegaram: Ella Fitzgerald, says that love is blind...”.

Colocava a leiteira quente sobre a mesa, para tomarmos café, quando ouvi aquelas vozes. Fui até a sala e os vi de costas para mim, apontando suas armas. Pretendiam levá-lo. Você me viu atrás deles e fitou meus olhos por um instante.

Eu sabia que meu homem não se entregaria se houvesse a mínima possibilidade de reação. Dei dois passos para trás em silêncio, e procurei sobre o móvel do corredor algo que pudesse usar.

Encontrei aquele globo de cristal que ficava sobre um suporte de madeira. Lembra? Era do tamanho de uma laranja. A gente o girava e depois para ele apontava o dedo, dizendo que iríamos para o lugar que fosse indicado. Na maioria das vezes apontávamos para algum oceano transparente, e ríamos concordando que iríamos para a praia ver o mar.

Coloquei a África colada na palma da mão e apertei o mundo com força. Voltei. Você argumentava com eles e deu-me tempo para quebrar aquele lindo globo na cabeça do menor. O outro se assustou e antes que você o derrubasse, ele teve tempo de atirar em mim. Tudo escureceu e, desde que abri meus olhos novamente, nunca mais vi os seus.

Não sei dizer quantos sentimentos já vi espelhados nos seus olhos, meu amor. Talvez quase todos que uma mulher vê nos olhos do seu homem, na medida em que o tempo passa e as coisas, inexoravelmente, mudam.

A última vez que nos olhamos durou só uma fração de segundo.

A primeira, quando vi pela primeira vez seu olhar de luta e resistência, durou muito mais que isso. Sei que você se lembra daquele dia também. O dia em que me apaixonei por você.

Andávamos pela beira do lago. Era nosso primeiro passeio juntos, a caminho de casa, depois da escola.

Você descobriu um pequeno bote a remo deixado na margem e me convidou para passearmos nele. Fiquei tão feliz! Não sei se tremi de medo ou de tesão. Em um minuto a gente já deixara o material no chão e estava dentro dele sentados de frente um para o outro. Você remava desajeitado e jogava água na minha cara e eu achava aquilo ótimo.

Suspirava admirando os músculos dos braços e alguns outros detalhes do marujo lindo, e resolvi fazer com você o que a Olivia Palito não fazia com o Popeye.

Ouvi seu grito me mandando sentar mais já era tarde; caímos os dois para o mesmo lado, bem no meio do lago, e eu não sabia nadar.

E você também não!

Mas não deu o braço a torcer: mandou eu agarrar em você e começou a bater os braços e a tentar bater as pernas. Soltei uma as mãos e abri os braços. Mexi os pés embaixo d’água até que nossos corpos se equilibraram e começamos a nos mover em direção à margem. Você estava aflito e respirava de boca aberta. Bebia água a cada braçada e parecia que ia afundar. Mas suportamos por alguns minutos e chegamos até uma vegetação, nos agarramos nela e conseguimos sair.

Desabei para um lado mas não tive tempo de descansar. Você tossia e tinha espasmos. Coloquei-o em pé, peguei-o por trás e apertei seu corpo dobrado até a água sair. Depois o deitei na relva e agradeci imensamente a amiga que me convenceu a fazer o curso de enfermagem.

Um minuto atrás você me salvara da morte, para depois eu soprar a vida pela sua boca. Quando abriu seus olhos, ainda ofegante e assustado, entendi que estaria ao seu lado para sempre.

Como estou agora, apesar da imensurável distância que nos separa.

Mas não estou infeliz amor, não estou. Uma mulher suporta todas as coisas, principalmente as aceitáveis. E é aceitável chegar ao fim de uma vida bem vivida.

Todas as revoluções são feitas de heróis e de mártires. Estou satisfeita com o que sou, e certa do que você será. A história mostra que a razão sempre prevalece, mesmo encharcada com o sangue vertido pelos maus e pelos bons.

Quando, no dia que se aproxima, você olhar triunfante para a multidão liberta, se lembrará de mim com saudade e eu estarei viva, segurando sua mão novamente.

Preciso terminar. Ouço vozes no corredor. Minha hora se aproxima.

Adeus amor. Adeus.

Deixo plantadas aqui estas palavras, para que qualquer um que as leia colha um pouco do que fomos nós.

Vivemos a melhor das vidas, repleta de amor e dedicada à defesa de um ideal.

Caminharei para o cadafalso de cabeça erguida, rosto sereno, sentindo seu cheiro e o gosto amargo do seu suor na minha boca.

Não sentirei a grossa mão do carrasco pois meu corpo estará envolvido e protegido pelas suas mãos suaves.

Quando o chão sob meus pés desaparecer a vertigem que virá será como todas que você me deu.

Partirei feliz para o lugar que existe depois daqui, onde ficarei ouvindo canções à luz de velas, esperando o dia de, novamente, nos seus olhos poder olhar.Talvez a música que mais tocará será Dinah Washington cantando I'm feeling quite insane and young again. And all because I'm mad about the boy.”

3 comentários:

  1. Um conto trágico de amor. Me recordou Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco 1861.
    O eterno romatismo da época.

    http://okm.me/1LYN

    Recordar é viver (cliché) ouvir a canção nos situa.

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  2. Enquanto lia o seu texto, as lágrimas caíam-me pela face numa torrente sem fim, admirando aquela mulher de tanta coragem, que caminhava para a morte de cabeça erguida pensado apenas no homem que amava.
    Foi então que comecei a fazer uma retrospectiva, daquilo que tem sido a minha vida ao longo dos anos e cheguei a uma triste conclusão.
    Sou apenas uma entre tantas que vagueia pela vida, deixando os dias correrem de encontro a um fim que poderá estar longe ou perto, sem nada fazer para ser verdadeiramente feliz.
    Assina:
    KATY

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  3. Katy saudades, tinha sumido. è o texto é bonito mas não é meu é do Toninho o link pro blog tá aí, beijos

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Que bom que deixou a sua opinião, volte depois que te respondo aqui mesmo. Beijão